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A vaidade

Enviado por em Monday, August 19, 2013

O vaidoso não olha para os seus semelhantes no intuito de querer vê-los, por dentro, descobrir ou interessar-se por suas necessidades...

A despeito das inestimáveis conquistas científicas e tecnológicas, o homem, este ser racional, ainda não aprendeu a conhecer a si próprio e aos seus semelhantes. Ainda não aprendeu as lições básicas do amor. Do amor na acepção ampla do termo. E por isso, o homem ainda não está em condições de ser totalmente feliz, devido à falta de conhecimento do homem sobre ele mesmo. Nos seus defeitos, que crescem em proporções geométricas, enquanto suas virtudes andam a passos de tartaruga. E um desses defeitos de personalidade, com certeza, é a vaidade.

O homem vaidoso gosta das pessoas e das coisas quando essas coisas e pessoas se transformam em verdadeiros espelhos; espelhos que refletem a sua própria imagem. É a atração pelos espelhos. São os espelhos dos bares, das lojas, os vidros espelhados que duplicam e embelezam as imagens que só o vaidoso enxerga. Mas também há outros espelhos, por extensão do termo, em que se mira o homem vaidoso. Os espelhos das opiniões a seu respeito. O espelho impresso, que traz o seu nome com destaque, em meio a tantos outros, só o dele brilha mais, é visível. Seu nome gravado num CD, chamado pelo telefone, impresso na revista, é de uma visão única, especial. Nada mais interessa ao seu redor. O vaidoso fica horas e horas contemplando aquele espetáculo, aquela espécie de reconhecimento prévio que ele já esperava.

Como soa bem seu nome ao telefone, escrito no envelope de uma carta. Quando o vaidoso escreve algo para o jornal, algum artigo, diminuto que seja, é o bastante para ele ler e reler várias vezes o seu texto. Todo o brilho do jornal parece que ocupou apenas aqueles centímetros quadrados da página onde consta seu texto com o seu nome.

O vaidoso não olha para os seus semelhantes no intuito de querer vê-los, por dentro, descobrir ou interessar-se por suas necessidades. Ele aguarda, apenas, o reconhecimento do próximo ao descobrir o que ele pensa a seu respeito. Quando o vaidoso conversa com os outros, o assunto é sempre acerca de si mesmo, de suas coisas, de suas idéias, de seu trabalho. Ele não consegue entender que haja coisa mais importante.

Quando o vaidoso chega numa festa ele percebe que o ambiente mudou, para melhor. Foi a sua chegada, ou por causa dela, que o brilho do ambiente modificou. Até então estava faltando alguma coisa de melhor. Ele sente isso. Que o assunto vai melhorar. Que as pessoas, finalmente, vão aprender alguma coisa com ele. Vão admirá-lo. E ele não vê a hora de iniciar o espetáculo.

Eu, as minhas coisas, os meus problemas, as minhas realizações. Há pessoas que só parecem ver o seu próprio rosto. Não conhece ninguém profundamente. Os pensamentos e idéias dos outros não lhe interessam, não fazem qualquer sentido. Seus pensamentos são muito mais importantes, mais lógicos, guardam maior sentido. Maior profundidade.

O escritor e jornalista Gustavo Corção, em “Lições de Abismo”, resume o perfil do vaidoso, segundo o qual : “todas as coisas, todas as opiniões,são como o espelho de sua própria importância, da sua própria face, que para ele é a grande, a única realidade, em torno da qual o mundo inteiro é uma imensa moldura”.

Já Rafael L. Fuentes, Doutor em Direito Canônico pela Universidade de São Tomás de Roma, assim se expressa: “O deslumbramento do vaidoso, essa espécie de elefantíase personalista que o coloca no centro do universo – poderia encontrar uma imagem plástica na figura mitológica do Narciso”.

Só para relembrar, Narciso era um jovem encantado com sua própria beleza. Um dia, ao ver refletido o seu rosto nas águas de um lago, sentiu-se tão atraído por si mesmo que ao tentar abraçar-se acabou morrendo afogado.

E quanta gente não conhecemos que, ainda hoje, continua afogado, asfixiado, extasiado, enamorado, enlouquecido pelo excessivo apreço e admiração que sente por si mesmo.

(*) Extraído de um texto de Domingos Oliveira Medeiros
     (poeta e escritor brasileiro, autor de centenas de textos entre artigos, ensaios, crônicas e contos)


 

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